A história de uma pessoa nem sempre segue uma linha reta e fixa de um ponto ao outro. Na maioria das vezes, é preciso caminhar nas curvas, subir montanhas e descer pelos vales para chegar ao destino final. Assim é a história do cantor, ex-acolhido e, hoje, voluntário da Fazenda da Esperança Flávio Augusto Aparecido, de 45 anos.
Tomado pelo egoísmo, por duas vezes, ele se afastou da obra social, sendo a última mais longa, por dez anos. Porém, em 2020, quando se tornou pai, encontrou uma motivação para retornar à casa que sempre o acolheu e lhe deu a oportunidade de conhecer três Papas e estar em três países.
Flávio sempre foi muito extrovertido e carismático. Vindo de uma família de músicos, desde criança, quando era coroinha, cantava na missa. Por pura curiosidade, ele entrou no mundo das drogas ainda muito jovem, aos 15 anos.
“A minha família, sem saber lidar com essa situação toda, procurou o Padre Lobato. Ele era pároco na Vila das Graças e fui levado para a Fazenda. Nós fizemos todo o processo de triagem. Quando cheguei na Fazenda da Esperança, era tudo muito novo para mim”, disse.
Quando foi acolhido no Centro Masculino, em Guaratinguetá (SP), começou a experimentar uma nova rotina, vivendo, na prática, o Evangelho. Ainda assim, a construção de um novo homem ainda estava no início.
“Eu aprontava muito, na época eu gostava de fumar cigarro. Todas as vezes que os coordenadores me pegavam fumando, me levavam para os padrinhos. Naquela época, os padrinhos eram o Padre César, Padre Anderson e Padre Ronaldo. O meu responsável era o Padre César, que hoje é meu padrinho de Crisma”, lembrou.
Reconhecido pelo seu dom, o músico canta e ainda domina todos os instrumentos de corda: violão, viola, cavaco, baixo, tantan, pandeiro e repique. Além da música, Flávio ainda atua, desde muito jovem, com construção civil. Como na época a Fazenda da Esperança ainda não havia tomado a proporção gigantesca como é hoje, os acolhidos tiveram o privilégio de manter uma rotina muito próxima à dos fundadores. Ele conta que já dividiu o quarto com o Frei Hans. “Ele já dormiu no meu ombro, ele conhece a minha história, é de dentro da minha casa, assim como Nelson”, diz.
Naquela ocasião, o Padre Luiz Menezes, o Padre César e o Padre Anderson estudavam em Taubaté e sempre fazia uma visita. “Eles passavam algumas vezes na minha casa e isso foi criando um vínculo muito forte entre mim, a Fazenda e os responsáveis. E o fato de eu tocar em banda e trabalhar bastante com a construção civil fez com que eu ganhasse a confiança do pessoal da Fazenda”.
Quando concluiu o seu processo de recuperação na Fazenda da Esperança, em meados de 1997, Flávio recebeu o convite para cumprir uma missão no Rio Grande do Sul, em Casca, e seguiu de van para a região junto com Nelson Giovanelli e os outros meninos escolhidos. Porém, não conseguiu concluir a missão e retornou à Taubaté. “Sempre dei muito trabalho, por ser muito criança ainda e não levar as coisas a sério. Continuei minha vida, mas sempre ligado à Fazenda”, disse.
Missão internacional
O próximo destino era a Alemanha. A princípio, Flávio ficaria no país por apenas 30 dias com alguns jovens do Rio Grande do Sul, Sergipe e Pernambuco. Depois, recebeu o convite para voltar e permaneceu por mais de um ano na missão internacional.
De lá, seguiu para cantar e contar a sua experiência de vida em um encontro com os Focolarinos em Roma, na Itália. Ao retornar à Alemanha, foi convidado a cantar no mesmo encontro onde houve a apresentação de Chiara Lubich, uma das fundadoras do Movimento Focolares. “Eu tive o privilégio, a graça de cantar e estar ao lado dela, tirei fotos. Também estive ao lado do Papa João Paulo II muitos momentos, junto com o Frei Hans”, disse.
Três Papas
Conhecer um Papa gera uma emoção indescritível, mas já pensou conhecer três Papas? Flávio está prestes e ter esse privilégio graças à Fazenda da Esperança. Além de conhecer o Papa João Paulo II, ele também esteve com o Papa Bento XVI, na época em que o Pontífice esteve na Fazenda da Esperança, em 2007.
Ele havia acabado de assumir o Grupo Esperança Viva (GEV) de Taubaté e foi convidado a cumprir missão voluntária na África e ficou em Huambo, na Angola, por alguns meses. Neste mês de setembro, Flávio participará da Peregrinação em Roma, pelo Jubileu dos 40 anos, completando, assim, a grata experiência de estar na presença de três Papas. “Eu sou muito sortudo!”, disse.
A última recaída
A última vez em que Flávio Augusto deixou a Fazenda da Esperança para voltar o mundo das drogas foi a mais longa. Por dez anos, ele se afastou da Palavra de Deus, do amor e do perdão. Mesmo tendo oportunidades únicas que lhe foram proporcionadas pela obra social, o músico não reconhecia aquilo como uma Graça recebida, mas sim como um momento de status e de sucesso.
“Paguei um preço muito alto por isso. Quando eu saí da Fazenda e voltei para o mundo, tive recaídas horríveis, pesadas, porque o demônio é astuto e ele pisa onde há soberba, orgulho, arrogância e prepotência. Mas eu sempre fui um menino temente à Deus, pela formação que tive na Fazenda”, conta.
Ao retornar da África, o principal plano era se casar, mas veio a recaída e foi tudo por água abaixo. “Eu fiquei quase dez anos afastado da Fazenda, com raiva, tomando veneno e esperando que o outro morresse. Eu não perdoava o Frei, não perdoava a Luci, não perdoava a Iraci, ninguém. Quem foi usar droga foi eu, quem perdeu tudo foi eu. Eu fiquei com aquela raiva. Os anos foram passando e eu não entrava em recuperação.
Nascimento do primeiro filho e o Retorno à Vida
O nascimento de um filho é um marco na vida de toda família e com o Flávio não poderia ser diferente. Foi quando o pequeno Miguel veio ao mundo que ele decidiu retornar à Fazenda da Esperança, tal qual o Filho Pródigo. “Essa criança mudou a história da minha vida. Eu entrei em recuperação, não só por ele, mas por mim”.
Após um momento de oração na Canção Nova resolveu fazer contato com Antônio Eleutério, o primeiro acolhido da Fazenda da Esperança. Flávio estava com saudade de tudo o que viveu e aprendeu com o Carisma da Esperança. Por telefone, Antônio o convidou para cantar em uma festa. Foi o momento em que o período de recaída chegou ao fim.
“Eu voltei para a Fazenda, me reencontrei com o Frei, chorei, falei tudo o que sentia no meu coração. Eles me acolheram como naquela passagem do Filho Pródigo, que volta para a casa do Pai. E eu voltei e me envolvi com toda a força de novo. Não quero mais sair da Fazenda da Esperança”, contou.
Além de continuar o trabalho na construção civil com seu irmão, Flávio mantém uma rotina dedicada a salvar a vida de jovens que entraram no mundo das drogas. Ele tem participado das gravações do programa “Fazendo Esperança”, produzido pelo Retorno à Vida. Além disso, participa do grupo de narcóticos anônimos e, aos finais de semana, canta na Santa Missa da paróquia Menino Jesus, além de realizar trabalhos voluntários na comunidade. “Tudo o que eu sei sobre a Igreja, sobre a história de Deus e Jesus Cristo, sobre os Sacramentos eu devo à Fazenda da Esperança”, concluiu.